segunda-feira, novembro 06, 2006

Riscos na Estrada


Passam velozmente, estes traços descontínuos. Aceleramos e eles aceleram connosco. Aumentam a celeridade e fazem-nos acreditar que a sua descontinuidade é aparente. Paramos e eles morrem no seu movimento e mostram-se ainda mais descontínuos. Como se, no fundo, fossem um infinito traço contínuo que se mostra apenas em alta velocidade.

Nós não vemos isso. Apenas as crianças, que são, de todos nós, aqueles que sabem olhar o mundo como ele é, sem filosofias, sem argumentos rebuscados, sabem ver o que os nossos sentidos nos dizem e não o que queremos que eles pensem.

“Pai, mas eles andam para trás. Olha!” – apontando com o seu dedinho sábio e perspicaz.

E eu, que sou um adulto chato e rendido às evidências de séculos de estudos de cinemática, movimentos rectilíneos uniformes e acelerados, penso que a posso ajudar a crescer e digo-lhe que não. Que somos nós que andamos para a frente e não os riscos para trás. Apenas parece que eles andam. Os olhos enganam...e até vou parar o carro para ela ver que eles pararão também. E eles páram. Claro que páram, afinal eles sabem que estamos parados e não vêem razão para andar. “Mas somos nós que andamos, entendes?”

“Não é, não. Pois é? Eu sei que eles andam...” – diz com a evidência de não serem os seus olhos que a enganam, mas sim a minha mente de adulto, que nada sabe da experiência de se ter 3 anos.

É claro que quem se move somos nós. Ou, melhor dizendo, o carro. A estrada está lá. Parada. E nem nos vê a mover. Nem quer.

Que tontice, a das crianças! Acreditar que são os riscos da estrada quem se move...

E, no entanto, com as duas mãos no volante e desistindo de argumentar com a minha filha a realidade dos riscos estarem parados, sigo caminho. Vendo o mundo a andar ao ritmo do meu pé direito e sorrindo contente pelos dias onde ainda era possível serem os riscos a andar para trás! E por ela ainda os poder viver...

6 comentários:

Irritadinha disse...

Erro de percepção. Daqui por uns tempo ela própria se vai chamar de "tonta". Contudo não há nada melhor que a curiosidade genuína de uma criança a quem os estímulos não são indiferentes, e as suas conclusões precipitadas contudo confiantes. ;)

(E já sabemos, a português a miúda não pode dar um erro...)

Anónimo disse...

Por acaso é curioso este post. Eu quando era pequena fazia sempre a pergunta ao meu pai. Mas não era com os traços, era com a lua!
Ainda me lembro de ter a certeza que a lua viajava connosco, e por mais que o meu pai me dissesse que não, eu achava sempre que tinha razão.

Rafeiro Perfumado disse...

Parece o outro que ao viajar de comboio queria fazer o regresso de poste! A sensibilidade das crianças, aquela inocência que lhes é tão característica, conseguem produzir pérolas como esta.

Anónimo disse...

Ai a gaiata... Tem a vantagem de que o papá não vai ter dificuldade em explicar porque é que há A com agá e sem! Há e À...
É lixado eles não se ficam com essa do "HA de haver" especialmente porque aos 7 sabem lá o que é um verbo.
E vivem felizes sem um Calvin nas canelas, fazendo erros e escrevendo "mae eu e a mana amamoste muinto"
Tão lindo...
Calma Calvin Calma, é só a 2ª classe ok! Não são defeitos genéticos.

13 disse...

São tão lindos!

Enfim... disse...

são tantos que nem tem conta.Bjs